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Apontamento

APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA TIPOGRAFIA

De acordo com o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tipografia é o “conjunto de procedimentos artísticos e técnicos que abrangem as diversas etapas da produção gráfica (desde a criação dos caracteres até a impressão e acabamento), espelhados no sistema de impressão direta com o uso de matriz em relevo; imprensa”.
Na tipografia, a parte visual é elaborada através da escolha de fontes tipográficas, além de suas disposições no corpo do texto. Os métodos de impressão e os materiais utilizados divergem de acordo com a proposta final do trabalho, e também de acordo com o designer que o está gerindo. As composições tipográficas visam, obviamente, a uma boa legibilidade, além de a mostrar o caráter artístico do trabalho.
“A história da tipografia reflete uma tensão contínua entre a mão e a máquina, o orgânico e o geométrico, o corpo humano e o sistema abstrato” (LUPTON, 1963, p. 09). Nesta passagem do livro Pensar com tipos, Ellen Lupton reflete sobre o nascimento da tipografia e a origem das palavras que, segundo a autora, está nos gestos do corpo, modelados para padrões de repetição infinita.

Tipos e Fontes
Os tipos mecânicos móveis foram inventados no século XV, por Johannes Gutenberg, na Alemanha. Essa invenção revolucionou a escrita no Ocidente, e fez possível a produção e a impressão de livros em massa: “Grandes quantidades de letras podiam ser fundidas a partir de um molde e concatenadas em ‘formas’. Depois que as páginas eram revisadas, corrigidas e impressas, as letras eram dispensadas em caixas subdivididas para reutilização” (idem, ibidem, passim).
Na área da tipografia, “um tipo, ou face, é o desenho das formas das letras. No tipo de metal, o desenho se materializa nas punções a partir das quais são feitos os moldes” (idem, ibidem, p. 77). O tipo representa a letra em seu recurso gráfico e em forma apropriada para a mecanização (tipos móveis).
A fonte é um conjunto de caracteres tipográficos que segue um padrão de representação gráfica e artística dos tipos e das letras. Na tipografia, “A fonte consiste nos tipos usados na impressão, moldados em metal” (idem, ibidem, passim). Existem diversos padrões de fontes, definidas por diferentes designs e propostas. Os tipos irão representar esses padrões em moldes e materializá-los na impressão.
O início da produção em massa na história da tipografia é marcado pela famosa Bíblia de Gutenberg, terminada em 1456. O tipógrafo alemão fez o incunábulo da tradução latina da Bíblia, utilizando uma prensa de tipos móveis, e o livro foi todo baseado no manuscrito: “emulando a densa e escura escrita manual conhecida como letra gótica, ele reproduziu sua textura errática criando variações de cada letra, bem como inúmeras ligaturas (caracteres que combinam duas ou mais letras em uma única forma)” (idem, ibidem, passim).

Algumas categorias de tipos e fontes
A partir do século XV, na Itália, a escrita gótica começa a ser rejeitada e passa a dar lugar a “um modo clássico de escrita manual com formas mais largas e abertas” (idem, ibidem, p. 11): a lettera antica. Essa proposta foi desenvolvida por Nicolas Jenson, tipógrafo francês que abriu uma gráfica própria em Veneza e que aprendera a imprimir na Alemanha, onde nasceu a tipografia. Ele desenvolveu tipos que misturavam a tradição gótica alemã e francesa com os leves traços italianos. Os tipos romanos de Nicolas Jenson, que inspiraram a criação de outros modelos tipográficos, são até hoje considerados os primeiros e os melhores dessa categoria.
Na categoria das fontes humanistas, encontramos aquelas “que herdaram seus nomes de impressores que trabalharam nos séculos XV e XVI” (idem, ibidem, p. 11). Alguns exemplos, citados por Lupton em seu livro, são: Garamond, Bembo, Palatino e Jenson. Por serem fontes históricas, foram desenvolvidos recursos tecnológicos para resgatá-las e adequá-las aos padrões atuais. Esse procedimento é feito a partir dos “revivals contemporâneos de fontes históricas. (...) Cada um deles responde ou reage aos métodos de produção, estilos de impressão e hábitos artísticos de seu tempo. Alguns baseiam-se em tipos de metal, punções ou desenhos que sobreviveram” (idem, ibidem, passim).
As letras humanistas eretas eram comuns em livros caros e de menor tiragem. Com a necessidade de produzir mais rapidamente sem gastar muito, a forma cursiva passou a ser empregada em algumas gráficas. Por ser uma escrita menos cuidadosa e que ocupa menos espaço, as gráficas economizariam dinheiro, além de acelerar a produção. As fontes itálicas surgem na Itália, no século XVI, “modeladas a partir de um estilo manuscrito mais casual. (...) Aldus Manutius, um impressor, editor e acadêmico veneziano, usou fontes itálicas em seus livros pequenos e baratos, distribuídos internacionalmente. (...) Os livros de Aldus frequentemente punham as letras cursivas ao lado de versais romanas; os dois estilos ainda eram considerados fundamentalmente distintos” (idem, ibidem, passim).
Ainda no século XVI, já era possível ver o uso das formas itálica e romana juntas. As duas letras seriam ajustadas de maneira que a altura das duas formas – tanto em caixa alta como em caixa baixa – ficariam alinhadas. Assim, o itálico e o romano começaram a integrar-se “em famílias tipográficas com pesos e alturas-x (a altura do corpo principal da letra em caixa-baixa) correspondentes. Hoje, o itálico na maioria das fontes não é apenas uma versão inclinada do romano; ele incorpora as curvas, os ângulos e as proporções mais estreitas das formas cursivas” (idem, ibidem, passim).

A letra e o corpo humano
A partir do Renascimento, o desenho da letra passa a ter uma forte relação com o corpo humano. Os artistas da época buscam padrões proporcionais e ideais no corpo humano. A tipografia vai refletir essa busca pelas formas ideais a partir do momento em que, “em 1529, o designer e tipógrafo francês Geofroy Tory publicou uma série de diagramas que vinculavam a anatomia das letras à do homem” (idem, ibidem, p. 13). Somente na era do Iluminismo científico e filosófico é que surgiria uma “nova abordagem, distanciada do corpo” (idem, ibidem, passim). Esse distanciamento pode ser percebido em 1693, quando começa a ser desenvolvida a letra romana romain du roi. Nomeado por Luís XIV, um comitê francês construiu letras romanas elaboradas em chapas de cobre, finamente desenhadas: “As fontes de chumbo derivadas desses diagramas de grande formato refletem o caráter linear do processo e a abordagem científica do comitê real” (idem, ibidem, passim).
A romain du roi, diferentemente dos diagramas de Tory, não buscava a harmonia e a forma do corpo humano ideal. Antes, a sua criação “planejava atender ao desejo de Luís XIV de estabelecer um estilo para o seu reinado e de ter um conjunto de caracteres tipográficos, assim como Francisco I havia feito” (Le romain du roi, 2014). Compreende-se, portanto, que tais diagramas carregavam, antes da estética, um cunho ideológico, já que “a romain du roi é um novo padrão de caracteres tipográficos, planejado para restaurar a tipografia francesa à sua glória anterior” (ibidem). O comitê teve a tarefa de estudar como as fontes mais célebres foram construídas, de maneira a interpretá-las e reproduzi-las em um estilo harmonioso e científico. Uma das fontes consultadas para a criação da romain du roi foi a Garamond.
Referências
Le romain du roi. Disponível em: <http://www.garamond.culture.fr/en/page/le_romain_du_roi>. Acesso em: 20 ago. 2014.
LUPTON, Ellen. Pensar com tipos. 2. ed., revista e ampliada. Tradução de André Stolarski. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

Trabalho desenvolvido por Luísa de Assis Vieira,
bolsista PROBEC do Ateliê Tipográfico da UFG